quinta-feira, janeiro 26, 2006

CARACTERIZAÇÃO ETIMOLÓGICA DA ALDRABA



No “Vocabulário Português de Origem Árabe,” José Pedro Machado diz que a palavra aldraba vem do árabe «Ad-Dabbâ» e define-a como “trinco, lingueta, ferrolho.”

Noutra obra do mesmo autor (“Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa”), constata-se que aldraba, aldrava, são termos citados em documentos do século XV, aparecendo este exemplo, em 1456: “... e armelhas pera as ditas portas e por aldrabas para as ganellas...”

Num dicionário, encontramos esta caracterização: “tranqueta de ferro com que se fecha a porta; peça metálica para bater às portas.”

Noutro, descreve-se o objecto e a sua utilidade. A aldrava (sinónimo de aldraba), será então: “Peça de ferro, na parte anterior de uma porta, servindo para bater nesta, a fim de chamar a atenção de quem está dentro, e para erguer a tranqueta que segura a porta do lado posterior.”

Ainda noutro, trata-se de “peça de ferro, em forma de argola ou martelo, para bater, abrir ou fechar portas.”

O próprio “dicionário da construção”, consultável na Internet, remete-nos para a ideia de uma “argola que fica do lado de fora da porta e serve de instrumento para bater à porta”

Todavia, é na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira que encontramos a melhor e mais completa descrição:
“Argola fixa por uma extremidade na parte anterior das portas, a qual serve para bater nesta e para levantar a tranqueta que segura a porta do lado posterior (...) Peça de ferro ou de bronze, de formas diversas, móvel na parte superior e terminando inferiormente em martelo, que se fixa na face anterior das portas, e que se levanta e deixa cair sobre uma espera de ferro, quando se quer bater à porta. (...) Ferragem para fechar por dentro portas e postigos, formada por arame de ferro revirado em gancho dum lado e do outro articulado numa argola, ou ponto fixo; o gancho entra numa argola fixa ao arco da porta.”

DIFERENÇA ENTRE ALDRABA, BATENTE E PUXADOR

Num artigo publicado no Jornal do Fundão,escrevi que “adoptando o contorno em tamanho real das costas de uma mão fechada, moldada certamente pelos velhos ferreiros, e apresentando forma triangular arredondada, aberta ao meio, este instrumento, diferente dos batentes, cuja representação naturalista da mão exibe uma tendência miniatural, destacava-se pela dupla funcionalidade de anunciar, através de sonoridade distinta, as diversas visitas e preservar a residência, pois também exercia as funções de ferrolho.”

Em “As Aldrabas de Lisbuna,” acrescentei que “a confusão manifesta-se mesmo nos dicionários. Todavia, a aldraba executa tarefas que o batente está impedido de fazer, pois serve também de “trinco, lingueta, ferrolho,” dado que é “móvel na parte superior.”

O puxador, como o nome indica, é uma peça de madeira ou metal, que se puxa, para abrir portas... podendo ter a forma de uma maçã, daí, a designação de maçaneta, a qual servirá para assinalar este “ornato globular.”

Nas últimas décadas, o avanço daquele objecto, sobre aldrabas e batentes, geralmente associado ao aparecimento das portas de alumínio, levou homens como Joaquim Palminha da Silva, a defender o “compromisso premente da conservação das antigas portas, porque elas se relacionam com a nossa cultura ao nível dos valores e atitudes, empenhamento e atenção que se deve dar ao passado, enquanto vestígio de um tempo não afectado pela descaracterização e desumanização actuais.Tempo sensível, portanto aos registos pessoais dos artistas que, na sua própria época, partiram em busca de originalidade num cenário de necessidades práticas, criando parte da riqueza cultural e material (...) Se não existem leis nem regulamentos municipais sobre esta matéria, urge redigi-los e pô-los em acção!”

(fotografia de LFM, realizada no início de janeiro de 2006, em Faro, perto da estação ferroviária)

segunda-feira, janeiro 23, 2006

CLARIDADE NAS MÃOS DA CRIANÇA QUE DESCOBRE A ALDRABA DA PAZ

Encontrei esta criança à entrada do santuário da Senhora dos Remédios, ali para os lados de Peniche.
Desconheço o seu nome.
Apenas sei que foi gentil, mais gentil que muitos adultos.
Na sua inocência, prestou-se a tocar na aldraba da porta do santuário.
Sem perceber para que serviria o seu gesto.
Se eu fosse um religioso, autorizado a organizar uma homilia, diria que ela incarnou o novo ano, com a sua pureza e que na luz de uma mão inocente a paz é possível.
Como sou apenas um homem comum, que gosta de aldrabas e da paz e da beleza dos que não sabem nem sonham que este mundo é o contrário de ser, deixo aqui um beijinho à minha ilustre desconhecida que ganhou honras de blogue e deixo no éter esta vontade do mundo ser melhor e da paz não ser foto, poema, anseio, mas aldraba de todas as horas anunciando a claridade.
(fotografia de LFM)

quarta-feira, janeiro 18, 2006

PORTAS,ALDRABAS E BATENTES: JÓIAS DE COMUNICAÇÃO



Começa hoje um novo blogue, em que a porta é pretexto para falar do Mundo. Do público e privado. Das tradições e dos comportamentos.
Há um ano atrás, um grupo de pessoas, descontentes com o (des) funcionamento de uma associação que tinham fundado, ou da qual eram associados, tinham decidido formar uma nova associação, que dava os seus primeiros passos, a caminho da legalização.
O facto de dedicar muitas das horas livres ao estudo das aldrabas e batentes, levou-me a propôr que a nova associação se designasse, de acordo com aquela jóia da comunicação, obra-prima de ferreiros, delícia de alguns que apostam na salvaguarda do espaço e património popular.
Durante meses iniciei, na companhia de Margarida Alves e de José Prista, a animação do blogue da Associação.
Durante o ano passado, a par do blogue da Aldraba, o Adufe e o Batentes e Aldrabas, divulgaram imagens de diversos exemplares daqueles utensílios.
Este blogue que saúda a existência de todos os outros e considera enriquecedora a sua existência, terá algumas preocupações, além da divulgação deste ou daquele batente recolhido nesta ou naquela cidade.
Procuraremos compreender o que está para lá dos objectos utilizados para comunicar. A linguagem da porta. Os códigos. A simbologia. A funcionalidade e os usos na bacia mediterrânica.
Consoante o tempo disponível, assim será a regularidade deste espaço de reflexão e diálogo.
A porta de hoje foi fotografada em Sidi Bou Saïd, na Tunísia. Ostenta dois batentes em forma de argola e uma aldraba mais abaixo.
Segundo crenças e tradições ancestrais, os batentes serviriam para o homem (esquerda) e a mulher (direita) se fazerem anunciar aos da casa. A aldraba (por debaixo do batente da mulher) era utilizado pela(s) crianças.
Soube pela primeira vez desta utilidade dos objectos quando visitei Fez, no início dos anos 90, quando um guia me revelou estes costumes. Voltei a ter testemunhos destas posturas, mais tarde durante uma visita`a Tozeur. Na net há mesmo um site que nos remete para uma temporalidade ligada à utilização talismânica da aldraba.
Ao contemplar a beleza desta porta e lembrando-me de belos exemplares que ainda subsistem, rareando, Portugal fora, antevejo a dolorosa descoberta de um deserto de referências identitárias que as portas de madeira com aldrabas consubstanciam, caso esta matéria se restrinja à mera curiosidade bloguística e estudantes, arquitectos, autarcas e militantes do património se demitam de intervir.
(fotografia de LFM)